Araras do interior do brechó O Cacareco, Rua São Clemente, 245 – Botafogo
Foto: Divulgação
Mais do que gastar dinheiro, consumir roupa passou a ser um símbolo de identificação do consumidor com os valores da marca. De acordo com Sibele Aquino, pesquisadora de psicologia social do consumo, o comprador opta pelas peças de determinada marca porque se sente atraído pelo que ela representa. Outro motivo do aumento do consumo consciente, como o fenômeno é chamado, está relacionado à propagação dessa ideia nas redes sociais, afirmou Monica Girão, professora de produção de moda.
Além da preocupação com o meio ambiente, Sibele chamou a atenção para outro fator que impulsionou essa mudança de comportamento. Para ela, a identificação do consumidor com grupos sociais é o que leva ao consumo de produtos sustentáveis. Comprar em marcas de roupas e acessórios ecológicas é uma forma de mostrar que a pessoa está alinhada com esse pensamento e estilo de vida.
- Penso que a maioria das pessoas se envolve em compras mais conscientes não somente pela preocupação com o planeta, mas principalmente porque esse consumo fala muito sobre ela para os outros e para os grupos que ela admira ou dos quais faz parte.
A crescente democratização do acesso à informação também contribuiu para o "boom" desse estilo de vida a ser vendido. Para Bruna Brullaci, YouTuber e estilista, são diversos os fatores que a fizeram mudar de pensamento em relação ao consumo na moda. A blogueira contou que alguns questionamentos a respeito do fast fashion a levaram a estudar mais o tema, e hoje ela busca conscientizar às pessoas a respeito do consumo consciente por meio do seu canal no youtube. Ela concorda com Mônica Girão quando diz que a internet é uma grande vitrine de exposição dos problemas intrínsecos à indústria desse segmento.
- Eu já trabalhava com moda quando meu foco dentro do mercado mudou. Como estilista, eu sabia o custo para confeccionar uma camiseta, o custo de uma mão de obra e também sabia o preço justo por uma peça. Mas, mesmo assim, eu não pensava em como muitas marcas, principalmente as fast fashions, conseguiam vender produtos por preços muito baixos.
POPULARIDADE DOS BRECHÓS
De acordo com Samyra Crespo, ambientalista e ex-vice-presidente do Greenpeace Brasil, o consumo consciente está ganhando cada vez mais notoriedade, não só devido ao crescimento da preocupação com os recursos naturais, mas também por conta da questão financeira. É o caso de Rute Sant’anna, de 21 anos, estudante de Marketing e criadora do brechó online Uzame. Com 432 seguidores no Instagram, o negócio ganhou perfis no Facebook e na plataforma de vendas Enjoei. A empreendedora conta que tem o hábito de comprar roupas usadas desde pequena e, pensando nisso, começou a vender suas peças a fim de obter uma renda extra. Para ela, ter um brechó é mais do que uma tendência. É pensar em um futuro sustentável.
- Vestir roupas usadas sempre foi um hábito comum na minha vida, pois tenho seis irmãos e as roupas deles passavam para mim. No primeiro semestre de 2017, eu tinha acabado de me formar no ensino médio e estava sem dinheiro. Algumas roupas do meu armário não cabiam em mim e outras eu não usava porque não se adequavam mais ao meu estilo. Percebi que poderia unir a vontade de levantar uma grana extra com a criação de um negócio virtual no Instagram. A partir dessa ideia, surgiu o @Uzame_.
No início da marca, o perfil do consumidor era o jovem entre 16 e 21 anos. Mas hoje, três anos depois, esse perfil já é outro. Rute contou que homens e mulheres de idades diferentes compram na Uzame, buscando por peças originais, e principalmente por roupas no estilo dos anos 90. A jovem, que só consome roupas usadas, acredita que o preconceito em relação ao consumo de peças de brechó diminuiu, mas ainda existe.
- Existe um preconceito cultural contra os brechós em nossa sociedade e preconceitos culturais são difíceis de serem superados. Mas hoje, vestir roupas usadas é uma tendência cool. As pessoas estão consumindo mais.
Proprietários de estabelecimentos físicos especializados no ramo também perceberam os efeitos da febre dos brechós no faturamento. Fátima Assunção, de 52 anos, dona do O Cacareco, na Rua São Clemente, em Botafogo, no Rio, contou que quando abriu o estabelecimento, há sete anos, os consumidores eram majoritariamente da comunidade Santa Marta. Ela disse que acompanhou o negócio ganhar outra proporção e hoje consegue encontrar pessoas de diferentes perfis e classes sociais comprando no O Cacareco.
- Quando comecei, era difícil das pessoas entrarem, mas hoje muita gente que tinha preconceito compra comigo e até deixa roupas para vendermos.
O excesso de roupas no armário, combinado com dificuldades financeiras, foi o que incentivou Fátima a iniciar o negócio. Ela contou que começou a vender itens do seu guarda-roupa em 2011 e, um ano mais tarde, passou a trabalhar com vendas consignadas. As pessoas deixavam produtos com ela a fim de vendê-los, sem a responsabilidade de pagar o que não for comprado. O modelo de negócio teve de ser adaptado para a grande demanda que Fátima tem atualmente. Agora, as pessoas que desejam vender no O Cacareco devem ter as roupas avaliadas no que diz respeito às condições de uso e à marca. Depois desse processo, Fátima seleciona as melhores peças para expor nas araras e vender aos clientes.
Alguns consumidores ainda preferem manter o costume de comprar roupas em shoppings. Para Raphaela Iack, de 20 anos, as lojas fast fashion oferecem um diferencial em relação aos brechós: a confiança. Ela afirmou que confia mais na procedência de peças novas, pois, segundo ela, “as roupas usadas podem vir de um local estranho”. Ela também não gosta da ideia de vestir uma roupa que já foi vestida e usada por outra pessoa. Contou ainda que a influência da mãe é um dos motivos de nunca ter ido a um brechó.
- Minha mãe detesta usar roupas dos outros e isso faz com que a gente não cogite ir a um brechó. Ela também nunca gostou de usar roupas doadas ou emprestadas.
Já a universitária Lyelle Victor, de 20 anos, tem o armário quase todo composto por roupas usadas. Ela tem dificuldade em encontrar algumas peças por conta do tamanho, mas opta por comprar em brechós sempre que pode. A estudante contou que seu interesse pela sustentabilidade começou há um ano e meio, quando passou a se informar sobre o consumo consciente e a pensar em maneiras de contribuir com o meio ambiente.
- Decidi pesquisar pelo tema na internet e acabei descobrindo perfis no Instagram e canais no Youtube que não apenas davam dicas de brechó, mas também falavam sobre meio ambiente.
Para Lyelle, a preferência se estende para além da questão financeira. Ela afirmou que a indústria da moda prejudica o planeta, pois utiliza uma grande quantidade de água para produzir peças de vestuário e descarta os resíduos de forma inadequada no meio ambiente. Ela também critica os consumidores que, segundo ela, “jogam a roupa no lixo sem nem pensar em doar ou repassar para outras pessoas”.
Lyelle e Rute concordam no que diz respeito ao conceito do consumo consciente. De acordo com Rute, o consumo consciente consiste em manter o equilíbrio entre comprar roupas novas e usadas. No caso de Lyelle, não é diferente. Para ambas, não há a necessidade de incentivar o fim das compras em fast fashions, mas priorizar negócios que não abusem do trabalhador em relação às condições oferecidas na confecção das peças. Lyelle afirma que, para ela, ser um consumidor consciente implica em não comprar em lojas que utilizam mão de obra escrava.
- Minha questão não é só o preço, mas sim a ética da coisa toda. Se a loja tiver um processo ético na sua fabricação e a empresa em geral apoiar coisas que eu também apoio, posso comprar lá. Mas, se encontrasse no brechó a mesma marca ou peça, compraria também.
EMPREENDEDORISMO VERDE
A onda ecológica possibilitou que pessoas interessadas em sustentabilidade pudessem empreender com sucesso na área. De acordo com Sibele, o chamado empreendedorismo verde é uma tendência no mundo todo, uma vez que investir em produção consciente tornou-se um forte indicador da personalidade da marca. Mais do que uma preocupação com o meio ambiente, é uma forma da marca se colocar no mercado, mostrar quem ela é e quais valores ela cultiva. Esse é o caso de Maria Vitória Ferreira, de 53 anos, que encontrou na reciclagem uma oportunidade de negócio. Ela utiliza materiais descartados no meio ambiente para criar peças de bijuterias.
- Encontrei uma possibilidade de reduzir o descarte de materiais no ambiente por meio do reaproveitamento. Uso jornais, revistas, caixas de leite e rolos de papel higiênico para criar braceletes, brincos, colares, telas e bolsas. Meu forte são papéis já utilizados, mas também trabalho com tecido, garrafa pet e filtro de café. Normalmente, junto esses materiais na minha própria casa, ou pego em caçambas de lixo na rua.
Ela contou que a ideia surgiu a partir de uma oficina de cestaria que fez em 2001, em que cestas eram produzidas a partir de jornais antigos. No entanto, não via o investimento em sustentabilidade como uma possibilidade renda na época. O Maria Vitória Arte Sustentável tornou-se realidade em 2015, com o perfil @arte.sustentavel no Instagram, fruto de um curso de empreendedorismo na Incubadora Afro-Brasileira. Para Maria Vitória, em 2015, o consumo consciente já era mais popular do que em 2001 e a perspectiva de lucrar era mais concreta.
No entanto, a empreendedora afirmou que muitos consumidores desconhecem os materiais utilizados na confecção e não sabem o que é consumo consciente, mas são motivados a comprar pela beleza do produto. Para ela, isso é um indicador de que seu trabalho não se restringe aos consumidores conscientes, mas engloba uma fatia de mercado ampla. Assim, essa seria uma oportunidade de despertar a consciência ambiental de muitos e mostrar que é possível transformar lixo em arte.
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