top of page

Atualizado: 15 de jun. de 2020


Conglomerados econômicos ligados à indústria dos agrotóxicos impulsionam o agronegócio no Brasil sem levar em conta a saúde e outros interesses da população. É o que defende Flavia Londres, engenheira agrônoma formada na USP e integrante da Secretaria Executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Para ela, a produção convencional, largamente instituída nas terras brasileiras, prospera em função das incontáveis concessões do Estado, como demonstrou em seu livro, “Agrotóxicos no Brasil – um guia para a ação em defesa da vida”, publicado em 2011.

Como dirigente da ANA, Flavia Londres faz parte de um espaço de articulação e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas na promoção da agroecologia. Segundo ela, existe um lobby grande na Câmara dos Deputados e do Senado, além do Poder Executivo, para manter intacto o sistema do agronegócio.

As concessões do Estado hoje somam R$ 10 bilhões por ano, segundo estudo recente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), feito por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

- A política de Estado que incentiva esse modelo coloca a população e o meio ambiente do Brasil em grandes riscos, porque incentiva o aumento da quantidade e dos tipos de agrotóxicos utilizados, explicou Flavia.

De acordo com a engenheira agrônoma, os mais afetados são os trabalhadores que manipulam os defensivos, tanto no campo, quanto na indústria, seguidos por uma cadeia que chega até o consumidor com alimentos cada vez mais contaminados.

“Se os agrotóxicos não matam, causam anomalias”, advertiu a diretora do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Instituo Butantã, Mônica Lopes Ferreira, em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, em agosto de 2019. A imunologista conduziu uma análise encomendada, no anterior, pela Fiocruz, que pertence ao Ministério da Saúde. Por meio de uma metodologia que é referência mundial para testar a presença de toxinas na água, os pesquisadores do Butantã analisaram os 10 agrotóxicos mais utilizados na agricultura brasileira. A conclusão do estudo aponta que mesmo um trigésimo do uso de pesticidas recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não pode ser considerado seguro. Pelo contrário, os responsáveis afirmam que os componentes são extremamente tóxicos ao meio ambiente e à vida em qualquer concentração.

Ainda no âmbito da saúde, o marco regulatório publicado pela Anvisa, em julho de 2019, retirou 600 produtos da classificação de extremamente tóxicos. Organizações como o Greenpeace entendem a mudança como um afrouxamento, pois só serão classificados como extremamente tóxicos os agrotóxicos que representam risco à vida. Dessa maneira, a classificação reflete apenas a toxicidade aguda e não indica o risco de doenças de evolução prolongada, como o câncer, neuropatias ou doenças crônicas não transmissíveis.

No espectro político, Flavia Londres entende que o agronegócio sempre teve grande influência no governo brasileiro e percebe o agravamento desse cenário, nos últimos anos, com o enfraquecimento de espaços de democracia participativa e o desmonte de órgãos como a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), que tinha participação paritária da sociedade civil, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf). O resultado é um aumento exponencial do número de agrotóxicos liberados e utilizados.

Assim, entende-se que o diálogo entre a sociedade civil organizada, com suas demandas, e o poder público é um elemento essencial para a consolidação de denúncias e propostas no âmbito político. Dessa maneira, a obstrução desses canais prejudica significativamente o exercício pleno de cidadania e participação democrática da população, meios crucias de reivindicação de interesses e necessidades no âmbito da alimentação.

A curva de crescimento do número de agrotóxicos aprovados pelo governo federal ao longo dos anos demonstra esse cenário. Em 2019, o governo federal aprovou um número recorde de novos defensivos agrícolas: 475, dos quais, mais de 23% foram classificados como extremamente tóxicos pela Anvisa. E o ano de 2020 acompanha o ritmo de aprovações, com 150 até o mês de maio.

ree
Crescimento acima da média do número de agrotóxicos aprovados pelo governo federal nos últimos anos.

A política de Estado que promove o modelo convencional foi instituída no Brasil em meados da década de 1960, alinhada ao movimento mundial conhecido como “revolução verde”. A mobilização dos governos visava promover a agricultura na busca por combater a fome. Mas nesse caminho, o plano foi aplicado pela imposição das indústrias de agrotóxicos e pelo governo brasileiro: o financiamento bancário para compra das sementes só era dado pela compra simultânea de adubo e de agrotóxico.

Nesse contexto, é importante lembrar que o mercado desses produtos é caracterizado por uma alta concentração, onde 13 empresas multinacionais controlam cerca de 90% do mercado mundial. O número consta em artigo publicado, em 2016, por professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sob essa perspectiva, fusões bilionárias recentes acentuaram esse cenário, como a compra da gigante americana Monsanto pela alemã Bayer por 63 bilhões de dólares. A partir da transação ocorrida em 2018, a Bayer se tornou a maior corporação agrícola com um terço do mercado global de sementes comerciais e um quarto do mercado de agrotóxicos. A empresa ainda atua na área de medicamentos em escala global.

NA OUTRA PONTA, A AGROECOLOGIA

Em contraponto ao modelo hegemônico e largamente estabelecido no país, estão as hortas agroecológicas urbanas que se multiplicaram nos últimos anos. Estudo realizado pela "Worldwatch Institute" aponta que já em 2011, os produtos da agricultura urbana representavam 15 a 20% de todo o alimento produzido no mundo.

Flavio Lazarino é responsável pela implementação da Horta e Pomar Amaravista, em Niterói. O designer e artista largou a carreira em grandes corporações de tecnologia e moda para contribuir com a sua comunidade. A horta comunitária se estabeleceu pela ocupação de um terreno antes dominado por grileiros de terra que degradaram o local ao aterrar parte da lagoa com entulhos e lixo. O agricultor explica que o projeto preza pela vida e pela capacidade de a natureza se regenerar sozinha.


- Lá a gente visa coletivizar o processo de aprendizagem e de cuidado com o espaço através de uma ocupação social que traz vida à praça e faz com que as pessoas entendam que é preciso cuidar das áreas e não simplesmente esperar que o município resolva as coisas.



ree
Plantação da Horta Agroecológica Amaravista, em Niterói.

Quanto ao uso de agrotóxicos, Lazarino admite que prefere não trazê-los para a discussão com os voluntários pela possibilidade de afastar alguns por divergências políticas. No entanto, acredita que é possível tocar as pessoas e gerar uma microrrevolução não pela crítica direta aos agrotóxicos e aos seus prejuízos, mas ao demonstrar, na prática, as vantagens e benefícios de uma plantação natural, de alimentos frescos e nutritivos. Ele conclui que as pessoas que cooperam na iniciativa tiram todas essas conclusões sozinhas, porque percebem a diferença, no sabor e na aparência, entre as frutas e verduras plantadas localmente daquelas que são adquiridas nos supermercados.

No mesmo caminho, porém com outras estratégias e meios de enfrentar o consumo desregrado de agrotóxicos, está Marcos José de Abreu. O vereador de Florianópolis (PSOL), mais conhecido como Marquito, foi responsável por propor a lei que determinou que Florianópolis se tornasse uma Zona Livre de Agrotóxicos em outubro de 2019. Após cerca de 18 meses de tramitação, a lei foi aprovada por unanimidade na Câmara Municipal. A legislação torna crime aplicar ou armazenar os insumos químicos na capital catarinense.

Em depoimento, Marquito explica que a aprovação da lei foi uma grande vitória, um marco muito significativo, pois constituiu uma medida inédita em um país apontado por ele como maior consumidor monetário de agrotóxicos do mundo. Mas para isso, o vereador conta que a lei não veio sozinha e a construção dessa consciência ecológica, tanto por parte da população, quanto de seus colegas parlamentares, decorreu de definições anteriores. Ele se refere às duas leis aprovadas em abril de 2019: a Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica em Florianópolis, uma lei com características de agricultura ecológica urbana e rural, e a lei que institui a obrigatoriedade da reciclagem dos resíduos orgânicos no município, a lei da compostagem.

O modelo de monocultura do agronegócio, muito semelhante ao "plantation" colonial, como destaca o agrônomo Augusto Santiago, conta com propriedades que chegam a mais de 10 mil hectares. De modo que esse modelo produtivo está também assentado sobre um problema crônico do país: a má distribuição de terras que produz um alto índice de concentração das áreas agricultáveis em poucos estabelecimentos. Tal situação se torna evidente com base em dados do Censo Agropecuário de 2017 que demonstram que mais de 58% da área ocupada é composta por apenas 2% dos estabelecimentos. Essa minoria que concentra mais da metade dos terrenos são as pouco mais de 105 mil propriedades que tem áreas de 500 a mais de 10 mil hectares (entre 5 a mais de 100 quilômetros quadrados).


ree
Monocultura de soja em Santa Maria das Barreiras, Pará. Foto tirada pela produtora rural Roberta Pereira.

O VALOR DO PRODUTOR RURAL

Apesar das críticas que podem ser levantadas contra esse modelo hegemônico de produção, Roberta Pereira, representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Redenção, no sul do Pará, destaca que é ele quem sustenta uma parcela importante do PIB do país, e inclusive, permanece em plena atividade em momentos de crise como o da pandemia do novo coronavírus. Dessa maneira, ela entende que é preciso valorizar o trabalho do pequeno agricultor e da população rural que trabalha com afinco e sob as diretrizes da lei para produzir alimento de qualidade aos que moram na cidade.

Formada em zootecnia, a produtora rural explica ainda que o que se trabalha hoje é uma agricultura intensiva, com aplicação de tecnologia sempre junto com os princípios agroecológicos.


- Pode ter certeza que todo produtor tem interesse em preservar e zelar pelo meio ambiente, porque a gente precisa da água limpa e do solo em condições boas, com alto teor de sais minerais, senão a planta não cresce, adiciona Roberta.

A representante dos produtores rurais declara que eles não utilizam nada que não seja aprovado pelo Ministério da Agricultura. E que se existe produto irregular no mercado, o produtor correto não utiliza essas práticas ilegais, inclusive, pelas multas que recaem sobre esses delitos.


- Aqui na região amazônica, 80% é Área de Preservação Ambiental, então é lei. Eu tenho que ter no Cadastro Ambiental Rural, 80% da propriedade preservada. E quanto aos agrotóxicos, são utilizados apenas quando a plantação corre riscos, porque na maior parte do tempo, o cultivo está em equilíbrio com o ambiente.

Nesse sentido, ela afirma que a aplicação dos defensivos não é feita de forma desregrada ou impensada, justo pelo risco de contaminação do solo e do lençol freático e, inclusive, pelos altos preços dos defensivos agrícolas. Roberta conta que as isenções bilionárias concedidas pelo Estado ocorrem entre a indústria e o governo e não beneficiam o produtor.


- O produtor rural sempre paga a conta mais alta. É muito caro produzir alimento e, mesmo assim, a gente não desiste, completa Roberta.

  • Tomás Araújo
  • 10 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 29 de jun. de 2020



Esquema ilustrado do projeto - Foto: Luiz Carlos Guilherme

O combate à fome é o motor do Projeto Sisteminha Embrapa. Segundo o zootecnista da Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Luiz Carlos Guilherme, o programa é feito a partir do uso de recursos existentes ao seu entorno dos locais de implementação. Não há compromisso com o mercado, e o escalonamento, feito em todas as atividades do sistema permite a produção mínima, que podem ou não incentivar o empreendedorismo, já que o produto é destinado ao sustento das famílias que usufruem do modelo.


De acordo com o zootecnista Luiz Carlos, o sisteminha faz "uso da piscicultura intensiva realizada em pequenos tanques construídos com materiais diversos como papelão, plástico ou alvenaria, reduzindo os custos da implantação."


- A partir da recirculação dos nutrientes provenientes do tanque de peixes, é possível obter um sistema de produção integrado e escalonado, plantio feito aos poucos, incluindo frutas, hortaliças, aves e pequenos animais - disse.


Para auxiliar na eliminação deste problema, ele criou durante seu doutorado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) em 2002 o projeto de produção sustentável integrada de alimentos, mais conhecido como o projeto sisteminha. Atualmente o empreendimento está implementado nos estados Piauí, Maranhão, Ceará, Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco em regiões urbanas, peri urbanas e rural. Beneficia cerca de 4600 famílias oriundo de um aproveitamento em torno de 1000 a 1500 sisteminhas instalados em diferentes regiões do país, considerando núcleos de 3 a 5 pessoas.


O projeto foi concebido para ajudar famílias com dificuldade de alimentação e baixa renda, com o mínimo de utilização de recursos disponíveis. A Deusione Oliveira da Silva, de Parnaíba no Piauí, disse que é “rica” por saber poder escolher o que vai comer, antes sofria fome e viu nove de suas filhas morrerem por desnutrição profunda. Agora ela consegue sustentar o marido e as duas filhas que vivem com ela.


Com o decorrer dos anos o projeto foi aprimorado e muitos produtores rurais viram a oportunidade de realizar uma atividade comercial com os produtos excedentes do sisteminha. Para o agricultor Marcio da Cunha Alves, da Bahia, disse que conseguiu quase R$ 4 mil de renda com a revenda de tilápias que criou em seus cinco tanques de cimento e papelão.

O Cesário Oliveira Dias e a Maria Lurdes da Silva, de Peritoró no Maranhão, contam que através do projeto conseguiram melhorar completamente a sua qualidade de vida, por meio da produção alimentar orgânica. “Eu monto meu prato do almoço com todos os alimentos que colho na minha horta, isso é algo incrível" - afirma.

A pobreza é um fenômeno complexo, genericamente definido como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para compreender essa ideia generalizada, é necessário especificar que carências são essas e qual o nível de atendimento pode ser considerado adequado. Via de regra, os projetos sociais tradicionais são feitos sob a ótica do financiador do programa, onde as decisões são tomadas verticalmente com pouca ou nenhuma participação do publico alvo.


Para o pesquisador da Embrapa, o caminho para reverter essa visão é "a busca pelo entendimento da realidade das comunidades a serem beneficiadas. Para que os impactos esperados sejam atingidos e, principalmente, mantidos a longo prazo - afirma.

O programa também ajuda a reduzir a miséria em países africanos como Gana, Uganda, Camarões (financiados pela Fundação Bill e Melinda Gates), Etiópia, Tanzânia, Angola e Moçambique.


O sisteminha é similar a uma linha de produção de uma fábrica e funciona em áreas de 100 a 1500 m². Em cada fase, algo é acrescido. Toda a estrutura custa entre R$ 500 e R$ 5 mil, investimento do próprio bolso do beneficiário ou de políticas públicas para famílias de baixa renda, como acontece no estado do Maranhão. Atualmente são 3000 famílias beneficiadas, sendo que desse total, 600 iniciaram com o projeto do sisteminha.


-A gente tem parcerias com várias prefeituras municipais, com governo do estado também em âmbito de vários projetos. A gente está aqui voltado exclusivamente para a agricultura familiar, é pensando nesse agricultor que é mais suscetível que não tem o suporte do governo - conta o técnico da Embrapa José Soares Bezerra Júnior.

O projeto é feito a partir de uma invenção simples: um balde, um cano de PVC, uma mangueira de limpeza de piscina e uma garrafa pet. Esses itens formam o biofiltro, que é o coração de todo o sistema. O equipamento permite que um tanque com 10 mil litros de água produza 40 kg de tilápia a cada 90 dias.


Já a estrutura do tanque é composta por uma armação principal, que pode ser de madeira ou até bambu, tem forma de círculo ou retângulo, o papelão serve de parede, a argila faz o acabamento, em alguns casos pode ser revestido com plástico para melhorar impermeabilização.


Dentro do tanque, a água com restos de ração e fezes passa por um sedimentador que retém o material sólido. Antes de voltar para o tanque, a água passa pelo biofiltro. No interior, centenas de fios de nylon cheios de bactérias que decompõem a amônia, substância produzida pelas fezes da própria tilápia e que se não for eliminada, mata os peixes.


Parte da água das tilápias é utilizada na irrigação, pois é um biofertilizante que contém nutrientes importantes como nitrogênio, fósforo potássio, cálcio e magnésio, basicamente tudo que a hortaliça precisa pra se desenvolver. A plantação é escalonada, ou seja, o plantio é feito aos poucos, assim a colheita é gradual, para não faltar nem sobrar alimentos.


O sisteminha conta ainda com galinhas para carne e ovos. O esterco desses animais vira compostagem e, depois de um tempo curtido, vai para um minhocário e se torna húmus, um adubo natural.

ree

Deusione da Silva da Parnaíba, PI rega sua horta - Foto: Luiz Carlos Guilherme


Atualizado: 23 de jun. de 2020


ree
Visita de Verificação de Conformidade Orgânica do Grupo Pinheiral Orgânico – ABIO - Fonte: Francis Alex Nunes

Criado por pequenos produtores, o Sistema Participativo de Garantia (SPG) está impulsionando a popularização da certificação de produtos orgânicos por não exigir tanta burocracia. O agrônomo Leandro Machado, que atua no Serviço de Defesa Agropecuária da Secretaria Estadual de Agricultura do Rio de Janeiro, explicou que esse método é mais simples do que o processo de Certificação por Auditoria por não exigir a presença de um auditor capacitado e totalmente disponível para a checagem de todo processo, o que encarece a certificação.


Nesse Sistema Participativo, de acordo com Leandro, há uma corresponsabilidade entre todos os produtores, que se organizam e avaliam mutuamente, com o objetivo de verificar o atendimento às leis e normas que regem todo o processo de produção ou de transformação dos alimentos orgânicos, tendo com isso um valor de adesão ao sistema bem inferior àquele cobrado por um processo de Certificação por Auditoria.


- O Sistema Participativo é algo genuíno no Brasil, uma 'jabuticaba'. Foi criado aqui. Já participei de alguns eventos com agricultores e pesquisadores de outros países, como da França, Chile etc., que vêm ao Brasil para conhecer e buscar maiores informações sobre nosso sistema - destacou Leandro - Hoje, os SPGs, como assim são usualmente conhecidos, estão sendo difundidos por muitas comunidades no mundo, por serem uma alternativa de Garantia da Conformidade Orgânica do produto de forma horizontal, ou seja, os produtores, consumidores e técnicos envolvidos têm plena responsabilidade para com o atendimento às normas da produção orgânica.


A biochefe Carol Barros, criadora do Instituto Bio, em Teresópolis, também acredita no Sistema Participativo como melhor forma para que o pequeno produtor possa obter seu certificado. Porém, por se tratar de um sistema de corresponsabilidade, há o risco da total confiança, uma vez que, segundo ela, se um produtor avaliar o outro de maneira errada, os dois perdem o direito ao selo.


- Eu acredito no Sistema Participativo como uma ótima forma de um pequeno produtor conseguir seu certificado de produto orgânico por ser mais em conta e menos burocrático. Mas, ainda assim, é um pouco perigoso por se tratar de uma relação onde eles mesmos se avaliam. Se um produtor errar na hora da avaliação do outro, os dois correm o risco de perder o selo da certificação. No Sistema Participativo é preciso confiar muito nas pessoas.


No sistema de produção orgânica, são usados um conjunto de técnicas e práticas para se produzir alimentos que seguem uma norma nacional. O marco legal no Brasil para ordenar e estruturar toda a produção orgânica foi instituído em dezembro de 2003, através da publicação da Lei Federal Nº10.831, que define e estabelece as condições obrigatórias para a produção e a comercialização de produtos da agricultura orgânica. É necessário que se respeite o meio ambiente, as relações trabalhistas e uma justa relação comercial.


Dentro de toda essa produção, há uma série de exigências e normas a serem seguidas, como: não praticar a queima do solo, a proibição do uso de agrotóxicos em qualquer das fases, desde a produção até a distribuição dos alimentos; o respeito às condições mínimas de vida dos animais e seus limites individuais para garantir seu bem-estar, entre muitas outras que visam garantir a oferta de um alimento de qualidade superior em todos os sentidos.


Para poder comercializar seu produto como orgânico e obter o selo do SISORG (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica) um produtor deverá obter seus produtos orgânicos a partir de unidades de produção cadastradas e acompanhadas por organismos de avaliação da conformidade credenciados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dessa forma, a Garantia de Conformidade Orgânica pelo Sistema Participativo de Garantia dá ao pequeno produtor a chance de ter seu produto certificado e vendê-lo em todas as modalidades de comercialização do mercado de produtos orgânicos.


GARANTIA DA CONFORMIDADE ORGÂNICA


A certificação, em outras palavras, é a Avaliação da Conformidade Orgânica, ou seja, dizer se o produto é ou não é orgânico. Os procedimentos de Avaliação da Conformidade são quaisquer atividades usadas com o objetivo de determinar, direta ou indiretamente, que os requisitos regulamentados, aplicáveis a um produto ou serviço, estão sendo cumpridos na sua totalidade.


Para isso, o produtor orgânico, a fim de dar garantia aos clientes e consumidores sobre as qualidades orgânicas dos produtos e provar que segue todos os regulamentos técnicos da agricultura orgânica, precisa ser certificado em pelo menos um dos três tipos de Garantia da Conformidade Orgânica: a Certificação por Auditoria, o Sistema Participativo de Garantia e o Sistema de Auto Nomeação (sendo esse exclusivo para venda direta entre produtor e consumidor, não podendo haver nenhum ente intermediário, e também não poderá usar o selo do SISOrg, mas apenas uma declaração do Ministério da Agricultura que o produtor atende aos requisitos e padrões de produção exigidos pela legislação dos orgânicos).


Na Certificação por Auditoria, sempre deverá haver a presença do auditor, ou seja, o representante capacitado da certificadora credenciada pelo Ministério da agricultura que deverá ir até a propriedade orgânica, e auditar todo o processo praticado por aquele produtor até a obtenção do seu produto. E, só então, ao final da inspeção, ele poderá (não sendo observadas “não conformidades”) autorizar a emissão do certificado pela empresa certificadora. Tal forma de certificação, acompanha as normas internacionais baseadas na ISO (Organização Internacional de Normalização).


Considerando as peculiaridades e exigências desse processo de certificação, milhares de agricultores familiares não são capazes de participar deste método de garantia, acabando por serem excluídos do processo, principalmente em razão do custo praticado pelas certificadoras que é inviável para muitos destes pequenos produtores.

Diante disso, surgiu no Rio Grande do Sul, as primeiras iniciativas de certificação participativa, como uma forma de protesto e resistência à regulamentação de produtos orgânicos pela Certificação por Auditoria.


Na certificação pelo Sistema Participativo, não há a figura do auditor. Logo, o produtor precisa se filiar à uma OPAC (Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica) já credenciada junto ao Ministério da Agricultura e, por ser participativa, ele deve se envolver em todos os eventos daquele grupo, respeitando seus direitos e obrigações como integrante. Segundo Leandro Machado, o produtor deve pagar uma mensalidade, que gira em torno de R$ 70,00 a R$ 100,00 por mês, variando conforme a classificação do agricultor; além de custos relativos à sua adesão ao sistema e da primeira Visita de Verificação à sua unidade de produção.


O custo fica em torno de R$ 250,00. Logo, para esses pequenos produtores, esse tipo de certificação é muito mais atrativo, carecendo, contudo, de grande responsabilidade solidária ao grupo da OPAC. Por isso a avaliação da conformidade pelo Sistema Participativo vem ganhando espaço no Brasil e no mundo.


Segundo Leandro, quem sai ganhando é o consumidor, que passa a ter uma referência oferecida pelos próprios produtores na hora de fazer as suas escolhas. Ao mesmo tempo, também ganha ao consumir um produto certificado, uma vez que este causa menos impacto no meio ambiente e em sua própria saúde.

- Independente da forma pela qual o alimento recebeu o selo de orgânico, o consumidor ganha, pois está consumindo um produto que passou por um processo de produção que se considera como o que causa o menor impacto para o ambiente, para a sociedade e para a saúde humana. Esse é o primeiro motivo e acredito que seja o mais importante. Mas, se considerarmos que o processo de Avaliação da Conformidade por SPG é muito mais próximo da realidade econômica dos pequenos produtores, isso resulta em dois resultados. O primeiro é uma incidência menor do peso deste processo no custo final do produto orgânico, e ainda, havendo um custo menor e uma maior facilidade para a obtenção do selo; então passamos a ter uma maior oferta e redução dos preços finais para o consumidor.


O FUNCIONAMENTO DO SPG - ABIO


A ABIO - Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de janeiro – utiliza o Sistema Participativo de Garantia (SPG-ABIO) como forma de certificar um produto orgânico. Segundo o facilitador Francis Alex Nunes, a associação é subdividida em grupos para que se facilite o trabalho de inspeção.


De acordo com ele, que é facilitador de três grupos (Pinheiral Orgânico, Barra Mansa e Seiva), as reuniões ocorrem mensalmente com os grupos mais próximos da propriedade do produtor, para avaliar a produção. O interessado, segundo Francis, deve participar dessas reuniões e acompanhar as Visitas de Verificação para que obtenha as informações de como são feitas.


Uma vez aprovada a produção, há visita de agricultores, visita de reavaliação, várias atividades durante o mês que precisam ser feitas pelo produtor. Caso ele não tenha um número específico de visitas ou de atividades necessárias, é excluído do grupo.


- A primeira coisa que o produtor precisa fazer quando quiser certificar um produto pela ABIO, é elaborar um Plano de Manejo Orgânico (que deve ser renovado todo ano), um documento onde se escreve todo o seu sistema produtivo; apresentar para o grupo em uma reunião mensal e então o grupo avalia - explicou Francis - Se ele for aprovado, no mesmo dia é agendada uma Visita de Verificação. Vão três produtores já verificados e o facilitador do grupo para a fiscalização junto ao produtor para ver se tudo está dentro da conformidade. Após todo esse processo, o grupo inteiro aprova ou não a produção.


Vale ressaltar que o Sistema Participativo aplica o mesmo status de Certificação por Auditoria, sendo a única diferença, um preço acessível às pequenas famílias e produtores orgânicos, e menos burocracia para se obter o selo.

Por exemplo, o Sítio do Moinho, no Rio de Janeiro, é uma empresa de orgânicos certificada pelo Instituto Biodinâmico (IBD), especializado em auditoria. É pago um valor anual a cada projeto que é desenvolvido. O certificado da horta orgânica custa R$ 6 mil por ano, a panificadora orgânica R$ 8 mil por ano e o processamento dos legumes R$12 mil por ano. Segundo Carol Barros, no Sistema Participativo, a mensalidade não está vinculada à produção.

ree
Reunião mensal do Grupo Barra Mansa - Apresentação do Plano de Manejo Orgânico - Fonte: Francis Alex Nunes

bottom of page