O combate à fome é o motor do Projeto Sisteminha Embrapa. Segundo o zootecnista da Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Luiz Carlos Guilherme, o programa é feito a partir do uso de recursos existentes ao seu entorno dos locais de implementação. Não há compromisso com o mercado, e o escalonamento, feito em todas as atividades do sistema permite a produção mínima, que podem ou não incentivar o empreendedorismo, já que o produto é destinado ao sustento das famílias que usufruem do modelo.
De acordo com o zootecnista Luiz Carlos, o sisteminha faz "uso da piscicultura intensiva realizada em pequenos tanques construídos com materiais diversos como papelão, plástico ou alvenaria, reduzindo os custos da implantação."
- A partir da recirculação dos nutrientes provenientes do tanque de peixes, é possível obter um sistema de produção integrado e escalonado, plantio feito aos poucos, incluindo frutas, hortaliças, aves e pequenos animais - disse.
Para auxiliar na eliminação deste problema, ele criou durante seu doutorado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) em 2002 o projeto de produção sustentável integrada de alimentos, mais conhecido como o projeto sisteminha. Atualmente o empreendimento está implementado nos estados Piauí, Maranhão, Ceará, Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco em regiões urbanas, peri urbanas e rural. Beneficia cerca de 4600 famílias oriundo de um aproveitamento em torno de 1000 a 1500 sisteminhas instalados em diferentes regiões do país, considerando núcleos de 3 a 5 pessoas.
O projeto foi concebido para ajudar famílias com dificuldade de alimentação e baixa renda, com o mínimo de utilização de recursos disponíveis. A Deusione Oliveira da Silva, de Parnaíba no Piauí, disse que é “rica” por saber poder escolher o que vai comer, antes sofria fome e viu nove de suas filhas morrerem por desnutrição profunda. Agora ela consegue sustentar o marido e as duas filhas que vivem com ela.
Com o decorrer dos anos o projeto foi aprimorado e muitos produtores rurais viram a oportunidade de realizar uma atividade comercial com os produtos excedentes do sisteminha. Para o agricultor Marcio da Cunha Alves, da Bahia, disse que conseguiu quase R$ 4 mil de renda com a revenda de tilápias que criou em seus cinco tanques de cimento e papelão.
O Cesário Oliveira Dias e a Maria Lurdes da Silva, de Peritoró no Maranhão, contam que através do projeto conseguiram melhorar completamente a sua qualidade de vida, por meio da produção alimentar orgânica. “Eu monto meu prato do almoço com todos os alimentos que colho na minha horta, isso é algo incrível" - afirma.
A pobreza é um fenômeno complexo, genericamente definido como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para compreender essa ideia generalizada, é necessário especificar que carências são essas e qual o nível de atendimento pode ser considerado adequado. Via de regra, os projetos sociais tradicionais são feitos sob a ótica do financiador do programa, onde as decisões são tomadas verticalmente com pouca ou nenhuma participação do publico alvo.
Para o pesquisador da Embrapa, o caminho para reverter essa visão é "a busca pelo entendimento da realidade das comunidades a serem beneficiadas. Para que os impactos esperados sejam atingidos e, principalmente, mantidos a longo prazo” - afirma.
O programa também ajuda a reduzir a miséria em países africanos como Gana, Uganda, Camarões (financiados pela Fundação Bill e Melinda Gates), Etiópia, Tanzânia, Angola e Moçambique.
O sisteminha é similar a uma linha de produção de uma fábrica e funciona em áreas de 100 a 1500 m². Em cada fase, algo é acrescido. Toda a estrutura custa entre R$ 500 e R$ 5 mil, investimento do próprio bolso do beneficiário ou de políticas públicas para famílias de baixa renda, como acontece no estado do Maranhão. Atualmente são 3000 famílias beneficiadas, sendo que desse total, 600 iniciaram com o projeto do sisteminha.
-A gente tem parcerias com várias prefeituras municipais, com governo do estado também em âmbito de vários projetos. A gente está aqui voltado exclusivamente para a agricultura familiar, é pensando nesse agricultor que é mais suscetível que não tem o suporte do governo - conta o técnico da Embrapa José Soares Bezerra Júnior.
O projeto é feito a partir de uma invenção simples: um balde, um cano de PVC, uma mangueira de limpeza de piscina e uma garrafa pet. Esses itens formam o biofiltro, que é o coração de todo o sistema. O equipamento permite que um tanque com 10 mil litros de água produza 40 kg de tilápia a cada 90 dias.
Já a estrutura do tanque é composta por uma armação principal, que pode ser de madeira ou até bambu, tem forma de círculo ou retângulo, o papelão serve de parede, a argila faz o acabamento, em alguns casos pode ser revestido com plástico para melhorar impermeabilização.
Dentro do tanque, a água com restos de ração e fezes passa por um sedimentador que retém o material sólido. Antes de voltar para o tanque, a água passa pelo biofiltro. No interior, centenas de fios de nylon cheios de bactérias que decompõem a amônia, substância produzida pelas fezes da própria tilápia e que se não for eliminada, mata os peixes.
Parte da água das tilápias é utilizada na irrigação, pois é um biofertilizante que contém nutrientes importantes como nitrogênio, fósforo potássio, cálcio e magnésio, basicamente tudo que a hortaliça precisa pra se desenvolver. A plantação é escalonada, ou seja, o plantio é feito aos poucos, assim a colheita é gradual, para não faltar nem sobrar alimentos.
O sisteminha conta ainda com galinhas para carne e ovos. O esterco desses animais vira compostagem e, depois de um tempo curtido, vai para um minhocário e se torna húmus, um adubo natural.
Deusione da Silva da Parnaíba, PI rega sua horta - Foto: Luiz Carlos Guilherme
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