O professor Mario Sergio Cunha Alencastro, da universidade Uninter do Paraná, afirma que consumo colaborativo é uma alternativa viável ao consumismo ilimitado da sociedade. A economia de colaboração baseia-se na redução da produção de novas mercadorias e na utilização prolongada de produtos já fabricados. Segundo o pesquisador, essas pequenas modificações já reduzem a poluição e o gasto excessivo de matérias primas e energias.
O doutor em educação e novas tecnologias garante que esse tipo de consumo só se tornou possível pelo advento da internet e das mídias sociais. As plataformas online seriam como a “espinha dorsal” das redes cooperativas na Web que viabilizam o consumo colaborativo. Para Alencastro, o surgimento dessa nova tendência também está relacionado a conscientização dos consumidores dos impactos ambientais causados pela produção em massa.
- Podemos dizer que o consumo colaborativo ocorre quando as pessoas, ao buscar modos alternativos de aquisição e consumo, participam na partilha organizada, troca, escambo, aluguel e permuta, com o objetivo de obter os mesmos prazeres da propriedade com custos e encargos reduzidos, bem como menor impacto ambiental. Em outras palavras, ao invés de comprar e possuir objetos, eles preferem pagar pela experiência de utilizá-los temporariamente.
A busca por diferentes formas de consumo é incentivada principalmente pela redução de custos, de acordo com a mestranda da Unama Suzana Saraiva Noronha. Diferentemente do Mario Alencastro, ela acredita que a sustentabilidade gerada pelo consumo colaborativo é uma consequência não planejada. Suzana afirma que a internet trouxe o consumismo baseado em acesso: o “eu sou o que eu tenho” se transforma no “eu sou aquilo ao que tenho acesso”.
A partir dessa perspectiva, a aluna explica que a troca social proporcionada na colaboração de produtos e serviços ganha mais relevância que o valor investido na aquisição de mercadoria. Um exemplo que ajuda a entender, segundo a pesquisadora, é a plataforma do Airbnb, na qual o usuário oferece um espaço da casa como dormitório para turistas. O aplicativo permite uma renda extra para o morador e uma opção mais barata para o viajante, além de oferecer um convívio social diferente do hotel, resume Suzana.
Assim como o Airbnb mencionado pela universitária, o Appzinho é uma empresa facilitadora de processos imobiliários entre clientes e plataforma online nas cidades do grande Rio. A ideia do aluguel feito de forma colaborativa é de Daniela Pereira e as duas filhas Fernanda e Gabriela. A iniciativa procura desburocratizar processos que são exigidos por imobiliárias tradicionais, afirmam as criadoras. Uma grande diferença do Appzinho é a possibilidade de locação de cômodos. Isto é, é possível que um cliente encontre um quarto para alugar ao invés de precisar pagar pelo aluguel completo. Desta forma, segundo Daniela, pessoas que não teriam o aporte financeiro necessário para alugar imóveis em lugares mais centrais, perto de locais com mobilidade facilitada por ônibus e metrôs, conseguem fazer uma transição de vida de forma mais barata e conveniente.
- Atendo muitas pessoas jovens de 22 a 30 anos que, por necessidade ou desejo, buscam sair da casa dos pais. É uma dificuldade que elas encontram porque existe muita 'papelada' envolvida no aluguel de um imóvel. Ao invés de terem que arcar com valor de condomínio, IPTU e outros gastos de forma integral, elas conseguem alugar um quarto. Tanto o locatário quanto o locador saem ganhando nessa.
O professor e pesquisador da Unama Emílio Arruda enfatiza que a cultura é um aspecto determinante no consumo colaborativo. Ele constata que o envolvimento monetário na troca de produtos está relacionado a sociedades nas quais uma renda extra é essencial para a manutenção financeira do indivídu. Em contraposição, ele expõe que outros povos compartilham sem esperar receber algo por isso, a chamada troca espontânea. As duas tendências têm ganhado cada vez mais consumidores, de acordo com o professor.
- Nos países da Europa Ocidental, a partilha é feita automaticamente entre os indivíduos, pois é um valor cultural. Há projetos que procuram desenvolver essa mentalidade no Brasil, porém ainda encontram dificuldade, o brasileiro pega mais do que ele realmente precisa. Um exemplo dessa diferença é a Holanda, o metrô não tem catraca, eles pagam pelo senso comunitário. A qualidade dos serviços públicos, com certeza, influencia nessa mentalidade. Dessa forma, o consumo colaborativo - aquele de troca monetária - tem mais espaço no Brasil que o compartilhamento - sem troca monetária -, pois oferece até mesmo uma melhoria financeira para o indivíduo.
Uma pesquisa, feita em agosto de 2019, pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), apresenta dados promissores para o avanço do consumo colaborativo no país, como Emílio Arruda destacou. Cerca de 81% dos brasileiros se imaginam participando mais do consumo colaborativo nos próximos 2 anos. Quase todos os consumidores, 98%, acreditam que há alguma vantagem na prática da nova tendência.
A principal motivação desse consumo é oportunidade de poupar e economizar dinheiro, de acordo com 45,5% dos brasileiros. Contudo, a perspectiva sustentável ocupa um espaço considerável: 43,6% busca evitar o desperdício; 42,9% quer diminuir o consumo excessivo; e 34,4% deseja contribuir para a preservação do meio ambiente, ajudando a poupar energia e outros recursos naturais.
Um exemplo de uma plataforma que une tanto a perspectiva econômica de poupar, quanto a visão ambiental, é o brechó online TROC. Criado por Luanna Domakoski, a empresa recebe peças de usuários que queiram vendê-las e, depois de realizar uma curadoria, disponibiliza os itens no site para que outras pessoas possam comprá-los. Desde a criação do TROC, mais de 40 mil peças já foram catalogadas no acervo e as vendas foram feitas de forma on-line para todo o Brasil, comenta a jovem.
Segundo a criadora, não só a perspectiva de utilizar as plataformas como forma de oferecer acesso às pessoas que não o tinham, mas também a preocupação com a produção desenfreada da moda foi ponderada. Para Luanna, os esforços feitos para lançarem novas coleções e seguir tendências são fontes preocupantes do desperdício.
- A gente começa a ver que mais de 98 toneladas de recursos não renováveis da natureza são gastos anualmente para fazer lançamento de coleções e tendências das marcas. Tem roupa já produzida para os próximos 200 anos e ainda assim a gente ainda continua produzindo.
Além disso, a empreendedora ressaltou que um estudo de mercado feito pela marca identificou que as mulheres usam apenas de 20% a 30% do seu guarda-roupa. Por outro lado, ela conta que existem pessoas que gostariam de consumir determinadas marcas e não podem, por causa do preço inacessível. A partir disso, a empreendedora começou a entender que a economia colaborativa seria uma solução para essa lacuna do mercado.
Como já apresentado pelo professor Mario Alencastro, a economia colaborativa tem um impacto ambiental positivo. A preocupação com os impactos ambientais e sociais provocados pelo modelo de produção e consumo vigente, tais como poluição e mudanças climáticas, contribuem para o aumento de adeptos a essas novas práticas, segundo o pesquisador. Todavia, a economia e a estrutura social vigentes também sofrem impactos com a mudança de perspectiva de consumo, confirma Alencastro.
- No que diz respeito à economia, a resposta é um pouco mais complicada pois, da mesma forma com que faz surgir novas modalidades de atividades econômicas, tais como o aluguel compartilhado de carro, bicicletas comunitárias, sites de empréstimo gratuito e aluguel de objetos; o consumo colaborativo causa – pelo menos em suas fases iniciais – um forte impacto numa economia centrada no consumo de massa. Em termos sociais, a economia de compartilhamento cria diversas formas de comercialização e sociabilidade que acabam por aproximar as pessoas.